Estamos nos dispondo a esse novo desafio de escrevermos ao O PIU a partir desta edição e com isso buscarmos colaborar para a cultura do nosso povo (raça humana) e de início gostaria de enfatizar que nosso “DESEJO” é que sejamos bem recebidos e que nossos artigos venham corresponder aos leitores. Deixamos nosso contato a disposição para críticas e sugestões. Segue então nosso primeiro contato com vocês - leitores.
Cinderela:
Uma História Sobre o Poder do Desejo
por Rav Marcelo Ben David Professor da Casa de Estudos - Plenitude de Vida de Limeira
A maioria de nós deve conhecer a história de Cinderela.
Sob a perspectiva Kabbalística, a aflição mais séria de Cinderela no começo da estória é a extinção de todo o desejo. Bastante simples.
Cinderela não quer nada porque acredita que não merece nada.
Ela foi transformada em escrava em sua própria casa, e nem sequer a mais fraca centelha de rebelião faiscou em seus pensamentos, palavras ou ações.
É interessante refletir que, em algumas tradições espirituais, uma pessoa assim poderia ser chamada de santa, pois nela os desejos naturais do ego foram completamente apagados a favor do serviço para outros.
E nesta visão, a natureza má desses “outros” - a madrasta e as irmãs adotivas - somente elevaria a categoria espiritual de Cinderela.
Trabalhar para o bem e para pessoas bondosas seguramente seria mais fácil, contudo em sua abnegação, ela serve até mesmo suas cruéis senhorias com um sorriso.
Mas enquanto a ausência de desejo de Cinderela poderia ser admirável para certas denominações de monges, ermitões, faquires e eremitas, a Kabbalah discorda.
A Kabbalah ensina que existem diferentes categorias de desejo, por exemplo, o Desejo de Receber para Compartilhar é uma categoria de desejo espiritualmente mais desenvolvida do que o Desejo de Receber para Si Mesmo; mas os Kabbalistas igualmente afirmam que qualquer desejo é melhor que nenhum.
Desejo não é só o que faz o mundo girar; ele também atrai a Luz do Criador dos Mundos Superiores para nosso próprio mundo de realidade física - e a presença da Luz do Criador torna possível o crescimento espiritual que é o verdadeiro propósito de nossas vidas.
Por isso, enquanto não deseja nada, Cinderela nada obtém.
O redespertar do desejo em Cinderela se processa em várias fases durante a estória.
Considerada individualmente, cada fase parece terminar em decepção e derrota. Mas no contexto do conto como um todo, até mesmo os obstáculos são degraus para a transformação final, e isto também está de acordo com ensinamentos Kabbalísticos.
Quando, por exemplo, os ratos criam um vestido de baile para Cinderela feito de materiais furtados dos guarda-roupas das irmãs malvadas, o empreendimento termina em desastre. As irmãs adotivas rasgam o vestido da pobre Cinderela.
Mas indo além da crueldade das irmãs, não podemos deixar de perceber o fato de que elas estão corretas na acusação de que o vestido foi roubado, embora peça por peça.
Espiritualmente falando, este não é o vestido que Cinderela deveria usar - e se ela o usasse para o baile, o crescimento de sua alma seria bloqueado em vez de realizado.
Similarmente, a perda do vestido e da carruagem providenciada pela Fada Madrinha é dolorosa. Mas é uma perda que move Cinderela para mais perto da percepção de que ela deve reconhecer ativamente seus próprios desejos e entrar em ação por si, só para realizá-los.
Ao longo da estória, Cinderela muda de uma pessoa na qual foi extinta a chama de desejo - para uma que sente desejo, mas depende de outros para agirem por ela - para uma personalidade que reconhece seu desejo e faz tudo o que pode para satisfazê-lo.
Somente no momento em que Cinderela está mais impedida de fazer de fato qualquer coisa (ela foi presa em uma torre pela madrasta má) é que ela finalmente experimenta desejo forte o bastante para fazer alguma coisa.
A transformação está em todos os lugares na criação, e a mudança de Cinderela – de uma criada entorpecida para uma ardente perseguidora da liberdade - é apenas um exemplo de transformação na estória.
Também há a transformação das circunstâncias dela de riqueza para pobreza, e para riqueza novamente; de uma abóbora em uma carruagem, e vice-versa; de sucatas e sobras em um vestido de baile, e assim sucessivamente.
A transformação está em tudo, inclusive aqui, onde um conto de fadas foi transformado em uma janela para a percepção de um importante aspecto da sabedoria Kabbalística: O DESEJO É A ENERGIA BRUTA DA TRANSFORMAÇÃO.