Déficit democrátrico

por JOÃO RENATO ALVES PEREIRA
Professor Mestre, pioneiro no combate ao Assedio Moral, palestrante e escritor

Longe está a Democracia Brasileira do ideal, do fundamentalismo ético, do sonho helenístico ateniense, ou dos “Iluminados” do “Siècle des Lumièries”, em particular de Rousseau e Montesquieu, que tristes estão com a nossa performance. Está mais para a República Velha de sempre, cujas práticas parecem nortear mais os corredores e porões dos Poderes Executivo-Legislativo, refúgio do conservadorismo de privilégios, do que as tribunas, as cátedras, os plenários do magistério oficial de nossos governantes e legisladores. Essa arquitetura do Poder, que se caracteriza pelas cortinas fechadas, afastadas da translúcida renovação, onde o mofo desse museu de valores arcaicos contamina até os idealistas, cegando-os igualmente por uma cultura viciosa que irriga as artérias, mas não os vasos periféricos que dariam o dinamismo das potencialidades à sociedade real, pois ali se idealizam, mas não se concretizam e nem se constrói o superávit democrático. Lutemos pelo superávit democrático.
A República Constitucional estabelece três poderes, harmônicos e independentes entre si, sendo que a prática criou nos subterrâneos, num contexto híbrido, um “parlamentarismo executivista” ou um “executivismo parlamentarista” camuflado, onde o faz-de-conta aparenta uma autonomia, essa sim inexistente, pois o entra-e-sai de Secretários e Ministros que exercem o Poder no Legislativo se “licenciam” para ocuparem cargos no “independente” Executivo denota a mancomunação, eivada de interligações anti-democráticas, sendo oligárquicas, em prejuízo dos talentos brasileiros que poderiam inovar, renovar e expandir idéias. Mesmo “licenciados”, mas com direito ao regresso, não deixam de ser do Poder Vizinho, o que cria uma ligação, uma teia, um canal, um duto de dependência. Em nome da governabilidade se sacrificam valores democráticos. Esse hibridismo de coluna do meio possibilita o surgimento de um “quarto” poder, o de Funcionamento, que envenena o motor, que deveria ser dinâmico por si só e acaba apenas perpetuando um republicanismo envelhecido, tornando a República Nova, Velhíssima. Lutemos, portanto, pelo fim da nomeação de membros do Legislativo pelo Executivo, para o Executivo e no Executivo.
A reeleição de FHC custou caro à democracia brasileira, pois deu seqüência no Poder Executivo a um costume arraigado no Legislativo brasileiro, onde políticos vitalícios, imperiais detém cadeiras e se eternizam, impedindo a renovação de poder, impedindo dessa forma a sociedade de avançar. Aliás, segmentos significativos são excluídos, pois muitas vezes, não tendo condições de igualdade de oportunidades, de organizarem-se, e acabam excluídos da vez de um direito natural, de ter voz ouvida. Deveria haver um interregno de no mínimo dois anos entre um mandato, e outro para evitar um continuísmo, e assim gerações sedentas de exercerem a cidadania o fizessem, oxigenando o sistema e potencializando as mudanças, evitando ossificações que em algum dia precisam ser quebradas para a História do povo avançar. Evocamos o princípio da igualdade real e não fictícia, pois os ocupantes de cargos querem Legislativo, como Executivo, tem uma dianteira de 42 meses contra os três meses dos novos postulantes. Lutemos, portanto pelo fim da reeleição nos dois Poderes.
A escolha dos candidatos pelos respectivos partidos lembra mais a nomeação patrocinada pelo peso da caneta dos detentores do poder partidário, quando deveria se um processo democrático de exposição de idéias e pessoas , pois optamos pelo sistema republicano presidencialista, de mandato de quatro anos, em vez do parlamentarismo. Assim precisamos conhecer o candidato antes da oficialização da candidatura, sendo que da campanha, em diante, apenas, propaganda política. A depuração deveria se iniciar no processo interno, mais natural, evitando-se as deformações empacotadas dos marqueteiros. A segurança da democracia estaria assegurada também pelos partidos e não vinculadas aos detentores das instâncias partidárias. Lutemos pela implantação de um longo processo democrático de escolha dos candidatos.
Precisamos de uma emenda constitucional que defina explicitamente, fundamentada em parâmetros sólidos, o número total dos chamados cargos comissionados, que deveriam ser em número reduzido e proporcional em relação às despesas da folha de pagamento, ao número dos concursados e apenas em funções diretivas de alto escalão.
E de quebra lutemos para que os Tribunais de Contas deixem a alçada do Poder Legislativo e passem para a alçada do Judiciário e deixem, portanto de proferir “Pareceres” como ocorre atualmente, e proferiam “Sentenças”, praticando a sua verdadeira missão.
Lutemos pelo superávit democrático.